terça-feira, 13 de março de 2012

A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

LINDOMAR APARECIDO RICETO


A avaliação não é tudo; não deve ser o todo, nem na escola nem

fora dela; e se o frenesi avaliativo se apoderar dos espíritos,

absorver e destruir as práticas, paralisar a imaginação,

desencorajar o desejo, então a patologia espreita-nos e a falta de

perspectivas, também. (Meirieu, 1994)


INTRODUÇÃO

Este artigo foi elaborado com objetivo verificar os diversos significados que a avaliação assume no contexto escolar, estabelecendo-se quatro categorias de verificação e análise. Inicialmente discorreu-se sobre as práticas de testes, exames e provas escolares que se convencionou nomear de Pedagogia Tradicional, de onde decorre o conceito de que avaliação e exame (provas e testes) são equivalentes. No segundo momento, analisou-se o conceito de avaliação como medida, florescida com a denominada Pedagogia Tecnicista. No terceiro conceito diz respeito à avaliação como instrumento para classificar e regular o desempenho do educando. O quarto momento apresenta o conceito qualitativo da avaliação. Por último discorre-se sobre vaias formas e metodologias para a realização de uma avaliação efetiva, inserida no contexto escolar, ou seja, a avaliação implícita no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem, bem como as varias ferramentas que a instrumentaliza.

AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS QUE PERMEIAM A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

Quando falamos em avaliação nos remetemos inicialmente à avaliação escolar. porém, a ato de avaliar não se restringe apenas a essa área humana. Ela está presente nos demais domínios inerentes às atividades humanas. Dessa formas, quando julgamos, comparamos, analisamos e emitimos conceitos e valores estamos avaliando. Para isso temos como ferramenta as informações adquiridas no decorrer do nosso desenvolvimento e, também, as reflexões informais que orientam as freqüentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da reflexão organizada e sistemática que define a tomada de decisões (Dalben, 2005, p. 66).

Segundo Belonni (2003, p. 15) a avaliação constitui num processo sistemático de análise de uma atividade, fatos ou coisas que permite compreender, de forma contextualizada, todas as suas dimensões e implicações, com vistas a estimular seu aperfeiçoamento.

Como prática organizada e sistematizada, na educação, a avaliação acontece segundo os objetivos estipulando pela instituição que podem ser implícitos ou explícitos, uma vez que refletem as normas e os valores sociais. Villas-Boas (1998, p. 21) afirma que as práticas avaliativas podem, pois, servir à manutenção ou à transformação social. Ainda para a autora, a avaliação escolar acontece como processo durante todo o trabalho pedagógico, no início (diagnóstica), durante (formativa) e na conclusão (emancipadora).

Para compreendermos melhor, Blaya (2003) explica que, avaliação diagnóstica apresenta dois objetivos básicos: identificar as competências do aluno e adequar o aluno num grupo ou nível de aprendizagem. No entanto, os dados fornecidos pela avaliação diagnóstica não devem ser tomados como um "rótulo" que se cola sempre ao aluno, mas sim como um conjunto de indicações a partir do qual o aluno possa conseguir um processo de aprendizagem.

Blaya (2003) define avaliação formativa como avaliação em que a preocupação central reside em coletar dados para reorientação do processo pedagógico, tanto em relação ao ensino como em relação a aprendizagem. Pode ser comparada a "bússola” que orienta o processo de ensino-aprendizagem. um cuidado é fundamental nessa avaliação: seu resultado não deve ser expresso meramente por uma nota, e sim paralelo ao processo pedagógico por meio de comentários.

Avaliação emancipadora utiliza-se do senso de autocrítica e autodesenvolvimento do aluno, através de instrumentos como a auto-avaliação, a co-avaliação. Nesse modelo, o professor torna-se um tutor e emite suas opiniões através de relatórios do processo evolutivo do aluno. (BLAYA, 2003).

É necessário também ter em mente e de forma bem clara que em qualquer nível de ensino, a avaliação não é algo isolado e não existe e nem opera por si mesma; está sempre a serviço e vinculada a um projeto ou um conceito teórico. Dessa forma, a avaliação é determinada pelas concepções que fundamentam a proposta de ensino, como afirma Caldeira (2000):

A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, conseqüentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica. (p. 122)

As metodologias de Avaliação expressam as concepções pedagógicas que cada professor constrói historicamente. Os elementos culturais e sociais das experiências coletivas e individuais interferem e refletem nas escolhas metodológicas que pautam a atividade de ensino. Os princípios pedagógicos, portanto, não são elementos que podem ser analisados isoladamente à estrutura econômica, cultural e política das sociedades, pois carregam marcas e práticas calcadas na ação, produção e reprodução do homem. A avaliação que se pretende, segue os princípios de globalidade, processualidade e contextualização:

- Globalidade – avaliar considerando o todo, e não somente partes isoladas. A visão cartesiana e reducionista da matéria precisa ser ultrapassada a fim que o processo de aprendizagem seja compreendido como um complexo. Significa, romper com as estruturas do indivíduo que foram isoladas: cognitiva, social, afetiva e psicomotora, bem como com a estrutura curricular fragmentada em disciplinas e áreas, proporcionando, assim, a visão sistêmica da realidade/indivíduo. É preciso efetivamente recompor o todo para conhecer as partes (Morin, 2000).

- Processualidade – avaliar não como um fim, mas como um meio, considerando e promovendo as mudanças desejadas. Admitir o movimento e acreditar que tudo está num constante vir-a-ser. Avaliação como processo significa torná-la meio para se alcançar determinados fins. Dito de outra forma, a avaliação é o processo que permite a retomada e revisão dos objetivos e das metodologias de ensino e aprendizagem da classe e da instituição.

A avaliação escolar é um processo pelo qual se observa, se verifica, se analisa, se interpreta um determinado fenômeno (construção do conhecimento), situando-o concretamente quanto os dados relevantes, objetivando uma tomada de decisão em busca da produção humana. Segundo Luckesi (2000), avaliar tem basicamente três passos: conhecer o nível de desempenho do aluno em forma de constatação da realidade; comparar essa informação com aquilo que é considerado importante no processo educativo. (qualificação); tomar as decisões que possibilitem atingir os resultados esperados.

Para uma introdução sobre a avaliação tendo em vista as concepções pedagógicas, enfocaremos quatro categorias. No primeiro momento, situaremos os testes, exames e provas escolares como práticas avaliativas, iniciadas no século XVI, que pela metodologia utilizada, hoje é chamada de “Pedagogia Tradicional”, onde deriva a concepção de que avaliação e exame (testes e provas) se equivalem. No segundo momento, discorreremos sobre a concepção de avaliação como medida, que se ascendeu com a denominada “Pedagogia Tecnicista”. posteriormente, num terceiro momento, analisaremos a concepção da avaliação como instrumento para a classificação e regulação do desenvolvimento do educando e, finalmente, em um quarto momento, discorreremos sobre a concepção qualitativa da avaliação escolar.

Examinar para Avaliar

Cronologicamente, podemos remeter às práticas de avaliação sob a forma de testes, exames e provas, a partir do século XVI. Essas metodologias de avaliação eram usadas em colégios católicos da Ordem Jesuítica e em escolas protestantes. Conforme Luckesi (2003):

A tradição dos exames escolares, que conhecemos hoje, em nossas escolas, foi sistematizada nos séculos XVI e XVII, com as configurações da atividade pedagógica produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do séc. XVI e primeira metade do século XVII). (p. 16).

A prática desses exames tradicionais atinge o seu auge com a crescente consolidação da classe burguesa, pois desprovida dos privilégios oriundos do nascimento e da fortuna da aristocracia, buscam nos estudos e no trabalho uma forma de ascensão social. Importante destacar que a introdução em massa do exame de admissão para o serviço público (hoje conhecido como concurso público) foi um grande passo na direção da democratização do Estado e na formação de uma sociedade meritocrática.

Com o crescimento e desenvolvimento do modelo de produção capitalista, o exame permaneceu sendo uma das ferramentas do sistema e, nesse sentido, Afonso (2000) afirma que:

É, portanto, ao longo do século XIX que se assiste à multiplicação de exames e diplomas, pondo em evidência o contínuo controle por parte do Estado dos processos de certificação. Como Karl Marx observou, o exame passa a mediar as relações mais amplas da cultura com o Estado, constituindo-se num vínculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado. (p. 30)

Segundo Luckesi (2003), ainda hoje, na escola brasileira, pública ou particular, desde o ensino básico até o superior, praticamos exames escolares em vez de avaliação da aprendizagem. Nas palavras do autor “historicamente, passamos a denominar a prática de acompanhamento da avaliação da aprendizagem do educando de “Avaliação da aprendizagem escolar”, mas, na verdade, continuamos a praticar “exames”. Dessa forma, essa pratica é denominada pelo autor como “Pedagogia do Exame” e, ainda segundo ele, se faz presente em nossas escolas nos dias atuais.

Embora Luckesi (2003) reconheça a necessidade dos exames em determinadas situações onde exigem classificação, como os concursos, vestibulares e naquelas que requerem certificação de conhecimentos, para ele, a sala de aula é o lugar onde, em termos de avaliação, deveria predominar o diagnóstico como recurso de acompanhamento e reorientação da aprendizagem, em vez de predominarem os exames como recursos classificatórios (p. 47).

Essa análise sobre os exames possibilitou-nos um contato inicial com a primeira concepção sobre a avaliação escolar ainda presente em nossas instituições educacionais, ou seja, compreendemos a concepção tradicional de avaliação, a que prega que avaliar é examinar.

Não menos importante, existe outro conceito dominante que usa o termo avaliação para medir o desempenho. Essa concepção será discutida no próximo tópico.

Medir para Avaliar

segundo Chueiri (2008) A origem da concepção de avaliação como processo de medida aconteceu no início do século XX, com os estudos de Thorndike acerca dos testes educacionais, nos Estados Unidos. Esses estudos se desenvolveram e culminaram no desenvolvimento de vários testes padronizados objetivando medir as habilidades e aptidões dos educandos. Nesse mesmo século a Psicologia também contribuiu para o desenvolvimento da avaliação educacional e essa contribuição pode ser observada sob dois aspectos:

O primeiro está relacionado aos testes psicológicos, embasados nas pesquisas de Sperman, nos anos de 1904, 1907 e 1913 sobre e na Psicometria, de Binet e Simon em 1905, que criaram o teste de inteligência para crianças e adultos. A possibilidade de medir o comportamento e o conhecimento por meio de testes ocasionou a expansão de uma cultura dos testes e medidas na educação (CHUEIRI, 2008). Dias Sobrinho (2003) informa que nas primeiras décadas do século XX avaliação se confundia com mensuração:

Embora consideremos hoje importante distinguir avaliação e medida, naquele momento, esses termos se tomavam um pelo outro. A avaliação era eminentemente técnica, consistindo basicamente em testes de verificação, mensuração e quantificação de resultados. (p. 17)

O segundo aspecto, onde se pode focalizar a colaboração da Psicologia à avaliação educacional está relacionado aos estudos da Psicologia Comportamental sobre a aprendizagem. É uma abordagem que também confirma que a aprendizagem pode ser medida ou quantificada. são esses estudos que fundamentam a denominada “Pedagogia Tecnicista”. Caldeira (1997) explica que:

A Pedagogia Tecnicista busca sua concepção de aprendizagem na psicologia comportamental. Esta sempre buscou adquirir o “status” de ciência, libertando-se da introspecção e fundamentando-se na lógica científica dominante que lhe garantisse a objetividade das ciências da natureza. Seu principal foco de preocupação são as mudanças comportamentais que possam ser cientificamente observadas, portanto, quantificadas. (p. 53)

O conceito de avaliação, não só como medida mudanças de comportamento, mas também a aprendizagem, com o objetivo de quantificar os resultados, encontra-se alicerçada na racionalidade instrumental e está preconizada pelo Positivismo.

Conformizada com essa visão de quantificar resultados, a avaliação é então conceituada como a sistemática de dados pelo qual se determinam as mudanças de comportamento do aluno e de que medida estas mudanças acontecem. Dessa forma, a avaliação procura comprovar o desenvolvimento do educando com base nos objetivos (comportamentos) predeterminados e, assim sendo, a avaliação é reduzida um sistema de medidas e separa o processo de ensino de seu resultado (CALDEIRA, 2000).

E o que seria então uma medida? Hadji (2001, p. 27) afirma que medir significa atribuir um número a um acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logicamente aceitável. Para Hadji (2001), o conceito de que a avaliação é uma medida do desenvolvimento e comportamento dos educandos está firmemente alicerçada na mente dos educadores e, com freqüência, na mente dos educandos, e a grande dificuldade para superar essa concepção está na suposta “confiabilidade” das medidas em educação, na avaliação e nos objetivos (parâmetros) dos quais os educadores se utilizam para atribuir notas às atividades dos educandos:

Uma medida é objetiva no sentido de que, uma vez definida a unidade, deve-se ter sempre a mesma medida do mesmo fenômeno. Certamente, um erro é sempre possível, devido às imperfeições da instrumentação, pois ele resulta então das condições de operacionalização dos instrumentos. Ele provém da operação de medida. Por essa razão, pode ser calculado e, portanto, neutralizado. (HADJI, 2001, p. 27)

Dessa forma, para o citado autor, tornar a avaliação simplesmente a um sistema de medidas é sinônimo de aceitar a veracidade da prova como ferramenta de medida e não considerar que a subjetividade do avaliador pode influenciar nos resultados da avaliação. Sobre o autor alerta:

(...) registraremos aqui o fato de que hoje se sabe que a avaliação não é uma medida pelo simples fato de que o avaliador não é um instrumento, e porque o que é avaliado não é um objeto no sentido imediato do termo. Todos os professores avaliadores deveriam, portanto, ter compreendido definitivamente que a “nota verdadeira” quase não tem sentido. (p. 34)

Avaliar para Classificar ou para Regular

A possibilidade de classificar o desempenho do aluno por meio da avaliação é uma das concepções mais tradicionais sobre a avaliação na escola. Perrenoud (1999) afirma que:

A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. (p. 11)

O autor ainda informa outra função tradicional que a avaliação assume no contexto educacional que é a certificação, ou seja, o diploma garante que o educando recebeu uma formação e não necessita ser submetido a novos exames.

A certificação é um instrumento que oferece poucos detalhes dos conhecimentos e competências adquiridos pelo educando e, principalmente pouco ou nada informa sobre o nível de domínio adquirido em cada área ou campo trabalhado. Ela meramente garante que um aluno desenvolveu, de forma geral ou global o que precisa saber para avançar ao nível seguinte ou ser aceito em uma habilitação ou começar uma profissão. A vantagem de uma certificação instituída é justamente a de não precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior. (PERRENOUD, 1999, p. 13)

Perrenoud (1999) afirma que as práticas de avaliação, geralmente, são regadas por duas lógicas não necessariamente excludentes: a formativa e a somativa. Sobre a lógica da avaliação somativa, Sordi (2001), em consenso com Perrenoud (1999), afirma:

Esta se relaciona mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se materializa na nota, objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio professor. Predomina nessa lógica o viés burocrático que empobrece a aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das atividades exercidas pelo aluno, mas não necessariamente geradoras de conhecimento. (p. 173)

A avaliação somativa está fundamentada numa lógica ou concepção classificatória de avaliação cujo objetivo, ao final de uma unidade de estudos (bimestre, semestre ou ano letivo), é verificar a aquisição do conhecimento. Sobre essa modalidade de avaliação, Azzi (2001) declara:

A avaliação que acontece ao final nos dá uma dimensão do significado e da relevância do trabalho realizado. Difundida nos meios educacionais com a denominação de somativa, é sempre associada à idéia de classificação, aprovação e reprovação. Tal associação tem sentido e não é errada em uma proposta que tenha esses objetivos. Numa proposta que vise à inclusão do aluno, a avaliação final necessita ser redimensionada, sem perder seu caráter de seriedade e rigor. (p. 19)

A lógica formativa ocupa-se do processo de apropriação do conhecimento pelo educando, os diferentes metodologias utilizadas, tendo o educador como mediador ativo, objetivando a promoção da regulação dos conhecimentos adquiridos como reversão do eventual fracasso e a reinserção do educando no processo educativo.

Sobre avaliação formativa, Hadji (2001, p. 19) afirma que sua função principal é a de contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino. Importa-se em levantar informações concretas, reais e úteis à regulação do processo de ensino e aprendizagem. Porém, nos orienta: uma avaliação não precisa conformar-se a nenhum padrão metodológico para ser formativa (p. 19).

Dessa forma, podemos observar que, na prática, a lógica somativa e a lógica formativa convivem entre si. Para Sordi (2001), a diferença entre as duas está na forma como o educador as encara e as utiliza, ou seja, na coragem do educador em assumir a sua responsabilidade, formação e na definição do que realmente é válido em no ato de avaliar.

Avaliar para Qualificar

As concepções tecnicista e quantitativa da avaliação, segundo Saul (1995), receberam inúmeras críticas sobre os modelos e práticas da avaliação em nossas escolas, a partir da década de 1960, verificando-se um rápido desenvolvimento de enfoques de avaliação alternativos, com pressupostos éticos, teóricos e epistemológicos e bem diferenciados. Assim sendo, a autora faz referência à crescente busca de alternativa para melhorar a avaliação escolar:

Produziu-se um acelerado desenvolvimento do interesse sobre a perspectiva chamada de avaliação “qualitativa”. Esse movimento deveu-se em grande parte ao reconhecimento de que os testes padronizados de rendimento não ofereciam toda a informação necessária para compreender o que os professores ensinavam e o que os alunos aprendem. (p. 45)

Saul (1995) caracteriza que na concepção qualitativa de avaliação há uma preocupação em compreender o significado de produtos complexos a curto e a longo prazos, explícitos e ocultos, o que requer uma mudança de orientação, uma troca de pólo: da ênfase nos produtos à ênfase no processo. (p. 46)

Para a autora, a avaliação qualitativa passa a incorporar um conjunto de técnicas, orientações e pressupostos da metodologia etnográfica, da investigação de campo (p. 47).

Outra característica dessa avaliação segundo Saul (1988) é o delineamento flexível que permite um enfoque progressivo, ou seja, a avaliação centrada em processos é em si mesma um processo que evolui em virtude de descobertas sucessivas e de transformações do contexto; supõe, então, um enfoque seletivo e progressivo.

Para uma avaliação de forma qualitativa, a autora sugere uma modalidade, que ela nomeia de avaliação emancipatória, cujas três vertentes teórico-metodológicas são: a avaliação democrática; crítica institucional e criação coletiva; e a pesquisa participante (p. 53).

A avaliação democrática pressupõe uma reclassificação política dos estudos avaliativos, trazendo como conceitos chaves: sigilo, negociação e acessibilidade, isto é, direito do educando à informação e à utilização dos resultados da avaliação redirecionar suas próprias atividades educativa. Segundo a autora na avaliação democrática o critério de sucesso é o alcance do estudo avaliativo, medido em termos das audiências beneficiadas por ele. (SAUL, 1995, p. 54).

A crítica institucional e a criação coletiva está concretizada em três momentos: expressão e descrição da realidade, que é a elaboração de um diagnóstico da instituição e descrição dos dados obtidos; crítica do material expresso pela análise do projeto pedagógico da instituição; criação coletiva que é o delineamento das novas ações e metodologias da equipe de trabalho (pedagógica e administrativa). Sobre esse método, Saul (1995) explica:

O produto final de um processo de crítica institucional e criação coletiva não é a elaboração de um relatório, embora, muitas vezes este seja necessário e útil. O que se constitui de relevo fundamental nesse processo é a possibilidade de as pessoas envolvidas, tornando-as mais conscientizadas de suas possibilidades, de seus limites e de suas autênticas e desejadas finalidades, encontrarem soluções criadoras para os seus problemas identificados. (p. 58)

A pesquisa participante é uma metodologia de avaliação que implica o compromisso de pesquisador com a causa em questão, contribuindo para uma ruptura metodológica profunda, onde o avaliado é co-autor dessa avaliação.

Para Saul (1995), a avaliação emancipadora é caracterizada como um processo que descreve, analisa e critica uma dada realidade, buscando sua transformação. Nas palavras da autora:

O compromisso principal desta avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua própria história e gerem as suas próprias alternativas de ação.

Não é difícil perceber que esta concepção de avaliação mudará a postura do professor que ainda avalia de forma tradicional, tendo em mente a média (nota) ou o conceito (nota). Para essa avaliação é necessário que ele potencialize a aprendizagem e não o controle do transmitido, havendo uma interação entre Educador e educando. Somos conhecedores que existem problemas de ordem político-social, porém, professores motivados, preparados e orientados são os que caracterizam o ensino e a aprendizagem e lhe dão formas.

Ao procurar mudanças na metodologia de avaliação nos deparamos com a dificuldade da conscientização e mudanças no grupo de trabalho, porém as boas idéias só surgem se houver tentativas de mudanças na prática, se houver reflexão crítica e coletiva.

Enquanto educadores, precisamos, por meio de uma reflexão autocrítica, abolir o autoritarismo, repensar nossa metodologia pedagógica, rever a utilização da avaliação tanto no aspecto de conteúdo quanto da forma, nos utilizar realmente dos resultados da avaliação criando uma nova mentalidade junto à comunidade escolar.

Dessa forma, o educador precisa oferecer uma postura metodológica que busque a participação ativa do educando. Para isso, o educador pode lançar mão de várias ferramentas como: debates, trabalhos em grupo, pesquisas, relatórios, testes objetivos orais e escritos, autoavaliação, portfólios, etc. Não deve ser permitido que se instale no educando a insegurança e o medo de questionar, pois isso permite ao educador perceber e identificar o processo e o percurso que o educando está trilhando para a construção do conhecimento.

Vasconcellos (1994) afirma que a prova, enquanto instrumento de avaliação com horário especifico, em forma de rituais especiais, etc. representa a ruptura com o processo de ensino e aprendizagem, dando muita ênfase à nota, o que acaba servindo apenas para classificar o educando, contrapondo-se à metodologia e/ou dinâmica trabalhada por apresentar-se desvinculada do processo de ensino e aprendizagem.

Precisamos compreender que o autor não desconsidera a avaliação, o que ele propõe é que ela seja parte integrante e contínua do processo de ensino e aprendizagem, que ela faça parte do trabalho cotidiano do educador e do educando na construção, reconstrução e produção do conhecimento e não apenas um momento ‘especial’ e de destaque, o que é característico da prova tradicional, preconizando a “nota”. Segundo Granzotto (2003):

Outro aspecto relevante é a nota, que por sua vez reprova e não adianta iludir o aluno fazendo de conta que ela não existe, pois o aluno pode ser surpreendido com uma reprovação. O professor deve, portanto, mostrar ao aluno através de práticas concretas e não de discursos que, se ele realmente aprender a nota virá como conseqüência natural, mas se o aluno só se preocupar com a nota acaba não aprendendo.

O que o autor sugere no texto acima é a diminuição gradativa da ênfase na avaliação. Para que isso aconteça, algumas metodologias podem ser eficientes: não realizar a famosa semana de testes e provas e sim avaliar no horário normal de aula. Para Granzotto (2003), o educado não precisa mudar a metodologia para avaliar e sim propor a avaliação como uma atividade qualquer, que faça parte do cotidiano. Outro aspecto importante, ainda segundo o autor, é avaliar o educando em diversas ocasiões e oportunidades estabelecendo um número mínimo de momentos de avaliação, diversificando as ferramentas de avaliação por meio de atividades simples como: atividades orais e escritas, dramatização, teatros, pesquisas, etc., considerando sempre os estágios de desenvolvimento dos educandos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao final das leituras realizadas para elaboração deste artigo, ficou evidenciada a dificuldade em estabelecer e/ou definir critérios para avaliar o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, ou seja, é difícil determinar um modelo que seja totalmente apropriado. Diante disso, precisamos nos questionar constantemente sobre a forma de agir no momento de avaliar; se nossos educandos desenvolveram as habilidades pré-estabelecidas para um determinado período ou ciclo letivo.

O resultado da avaliação deve ser a mostra efetiva da aprendizagem desenvolvida pelos educandos no seu todo, não apenas resultados temporários apresentados nas ocasiões de testes e provas que geralmente revelam algo que não é real sobre os educandos, ou seja, muitas vezes, por saberem que estão sendo avaliados, os educandos criam situações de nervosismo e tensão, o que quase sempre influencia negativamente nos resultados apresentados pelas provas e testes. Melchior (2001) afirma que:

O medo que o aluno tem da prova é um fator influente no seu desempenho. Se o professor utiliza a nota do teste como determinante do resultado final da avaliação, o aluno sofre uma pressão muito grande, porque o resultado da sua atuação vai ser considerado, apenas naquele momento. (p. 15).

Dessa forma, devemos avaliar nossos educandos em todos os momentos, em todas as etapas do processo de ensino e aprendizagem objetivando desenvolver as habilidades e/ou competências que se pretende desenvolver, o que não se pode resumir em momentos específicos (provas, testes, trabalhos), mas sim perpetuar durante o desenvolvimento de todas as atividades que impulsionam para a efetiva construção, reconstrução ou produção de novos conhecimentos e aprendizagens.


REFERÊNCIAS

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